terça-feira, 29 de março de 2011

Não somos mais que um estorvo
no caminho para a nossa felicidade.
Não somos mais que um estorvo
que nos bloqueia a vista e nos impede
de ter a percepção de um horizonte
que diante de nós se apresenta
Estorvos de nós mesmos, assim ficaremos
sem nunca alcançar o que de facto queremos.

terça-feira, 8 de março de 2011

Estorvo de Família

Mário estava farto. Sentia-se um estorvo na vida de toda a gente. Os pais, esses, há muito que o haviam abandonado. Quando eles se foram embora, os tios ainda o aceitaram durante uns tempos, mas não durou muito até que fosse parar a casa dos avós. Há dois meses o avô morrera e agora vivia só com a avó.

Não é que não gostasse dela. Afinal, ela fora o mais próximo de uma mãe que tivera, mesmo com a sua má-vontade. Mas os 80 anos estavam próximos e Mário apercebia-se de que já lhe custava tratar da roupa e do almoço. A morte do avô só piorara a situação. Se antes as gargalhadas do velho ainda a animavam, agora não havia qualquer vislumbre de um mero sorriso na sua face. E Mário achava que a culpa era sua.

Pouco contacto tivera com os avós antes de ter ido morar com eles, há cerca de dois anos. Na altura, tinha acabado de entrar para a escola e eles não tinham muita paciência para o acompanhar nos estudos. Com o tempo, habituara-se, mas agora, aos oito anos, estava por sua conta. A avó terminara a segunda classe com dificuldade e ele já estava no terceiro ano. Nunca sabia a quem pedir ajuda e, naquele dia, ela nem sequer lhe respondia quando chamava por ela.

Não queria chateá-la, mas estava mesmo com muita dificuldade em compreender aquele problema. Acabou por pegar no livro e ir à procura da avó. Encontrou-a no jardim em que passava grande parte do seu tempo, a conversar com uma mulher muito mais nova. A cara era-lhe vagamente familiar, mas não conseguia perceber de onde a conhecia. Já tinha decidido voltar para dentro quando ouviu o seu nome a sair da boca da avó. Não resistiu e ficou à escuta.

- Não, não o levas daqui! Julgas o quê, que uma criança é um brinquedo que se larga durante uns anos até apetecer voltar a pegar nele? O Mário é meu neto e não vou deixar que o leves. Posso estar velha, mas ainda estou muito capaz de tomar conta do meu próprio neto! Ora essa, não hei-de cometer os mesmos erros que cometi contigo.

- Mas...

- E nem te atrevas a insinuar que ele é um estorvo! Eu sei que não sou a melhor pessoa do mundo a mostrar as minhas emoções, mas adoro o meu neto e faria tudo por ele! Tudo, ouviste?

Mário não ouviu o resto da conversa. Pela primeira vez na vida, soube o que significava a palavra felicidade.

domingo, 6 de março de 2011

Dom Cucu

Sabes o que é intolerável? Ser preso sem ter culpa.
Hoje estou reduzido a um coto no braço direito. E se estou vivo foi porque a raiva que sentia assim o quis. Durante anos pensei que eles não me podiam fazer aquilo, até que chegou o dia em que decidi por cobro à morte lenta a que me obrigaram.
Sabes aquele cubículo cinzentão onde eu vivia? ... claro que sabes, a prisão estava cheia desses cubículos não estava? Espera não abras a boca, não precisas de me responder porque sei que a tua resposta sairá superficial a este ponto. A verdade é que viver num quadrado cinzento é bastante solitário. Tens de ficar louco e imaginar outros mundos se não estás feito, padeces por dentro.
Mas sabes onde falharam? nas paredes argilosas! poupavam nas paredes para encher esses belos bandulhos, imagino. E tornaste-te num magnífico cagamerdeiras que nem repara que vosso vassalo Dom Cucu, que agora se apresenta à majestade de surpresa, estava a desgastar o próprio punho para ir cavando a parede aos bocadinhos.
Não me faças essa cara, é o que ouviste: todos os dias, na fracção de parede oculta pela cama, esfregava ininterruptamente o dedo indicador até a unha cair e o osso ficar a descoberto. Depois foi a vez do polegar e no fim já era a mão toda. Nos momentos em que desmaiava sonhava com a tua morte. E quando estava acordado planeava-a.
Agora, como se costuma dizer, chegou o momento.
Ao meu querido amigo Senhor Chefe Prisional da Puta-que-te-Pariu e que ao Inferno te irá tomar, recebei de meu humilde coto a salvação com cheiro a pólvora que acalmará vosso pestilento cheiro.