domingo, 5 de junho de 2011

Acordou com o coração aos saltos. O despertador na mesinha-de-cabeceira marcava quatro e trinta da manhã. Virou-se para o outro lado. Pôs-se de bruços, de costas. Encolheu-se. Esticou-se e voltou a virar-se. Eram cinco da manhã quando decidiu levantar-se, maldizendo a sua sorte. Deitara-se já passava das duas e já não conseguia dormir. Sentou-se na cama durante mais alguns minutos.

Lavou a cara. Espreguiçou-se. Suspirou. Não sabia o que havia de vestir. Decidiu ir à janela ver como estava o tempo. Foi surpreendida pela claridade do nascer-do-sol. Estava fresco, mas o dia prometia ser quente. Não que tivesse estudado geografia ou meteorologia, mas a intuição assim lhe dizia. Estava prestes a virar costas à rua quando reparou nela.

Os seus passos apressados ecoavam no bairro ainda adormecido. Os saltos altos de que não podia abdicar roçavam secamente na calçada, anunciando a sua presença a quilómetros de distância. Ainda não eram cinco e meia da manhã. Era elegante. O fato executivo que vestia assentava-lhe na perfeição, mas faltava-lhe algo.

Eram cinco e meia da manhã. As olheiras faziam o papel de algodão branco e denunciavam as poucas horas de sono que tivera. Apesar disso, não parecia cansada, embora o seu rosto fosse carregado. Eram cinco e meia da manhã. Notava-se a tensão nos ombros. Foi então que ela se voltou na direcção da janela. Os seus olhos eram lindos. O olhar era tranquilo. Acolhedor. Triste.

Assustou-se quando a viu à janela, a mirá-la com tanta atenção. Eram cinco e meia da manhã. O bairro devia estar dormir. A camioneta vinha longe, muito longe, mas o barulho do motor já substituíra o cantar dos pássaros. Bocejou e fugiu para a paragem, os saltos altos berrando mais do que nunca.

Da janela da sua cozinha, ficou a vê-la partir. Quem seria ela? Para onde iria? Por que partiria tão cedo? Viveria sozinha? Acompanhada? Não sabia. Voltou para dentro. Para a cama. Eram nove e quarenta e cinco quando o despertou tocou. Acordou estremunhada, com o sonho inacabado.

Uma multidão povoava a sua mente. Não sabia os seus nomes nem de onde os conhecia. Não os conhecia, apercebeu-se. Partilhava o bairro, a cidade, com dezenas e dezenas de pessoas, mas nada sabia delas. Não sabia se dormiam bem, se dormiam mal. Se eram felizes ou infelizes. Não sabia nada de nada, a não ser que eram seus vizinhos e que todos os dias os via. Arranjou-se. Saiu de casa. Entrou no autocarro.

Disse bom dia, esperançada. Ninguém respondeu. Sentou-se, olhou pela janela. Enganara-se. Afinal, o dia prometia ser chuvoso.