Há horas que tentava, sem sucesso, desfazer o novelo. Quando descobria uma ponta, bem que tentava prendê-la, mas ela teimava em escapar-se, quase a fazer lembrar os grãos de areia que se escapam entre os dedos. Estava cansada. Cansada e farta de não conseguir descortinar os pedaços que, tão pacientemente, marcara com pequenos pontos.
Era já noite cerrada quando faltou a luz. O escuro fê-la sentir estranhamente feliz... e perder definitivamente o fio à meada. Foi sem se dar de conta da sua própria desistência que se refastelou no sofá. Estava farta da sua teimosia, de tentar dar sentido às marcas indeléveis que há tanto tempo fizera. Não fora assim há tanto, sabia-o, mas o cansaço deturpava-lhe a noção temporal.
Acordou com os primeiros raios da manhã e as costas a latejarem, reflexo de demasiadas horas numa posição incómoda. Foi com dificuldade que se levantou, mas não deu mais do que dois passos até tropeçar no novelo. "Porra", gritou, mas ninguém ouviu.
Deixou-se estar no chão, a manusear a pequena bola de lã. Continuava sem conseguir descobrir os pontos que definira já lá iam vários meses. Foi num misto de tranquilidade e ansiedade que as lembranças a assaltaram. Nunca se considerara uma pessoa ingénua, mas percebia agora que nunca perderia aquela inocência infantil. A mesma que, em criança, a fizera acreditar na simplicidade do mundo.
Hoje, sabia que não era assim. "Se nem o raio do novelo consigo desfazer...", pensou, sem que se sentisse realmente preocupada. Sabia que o mau-humor era passageiro, ainda que o relógio continuasse a contar. Tomou banho, vestiu-se, comeu qualquer coisa. Foi com um sorriso nos lábios que saiu rua fora, a cantarolar. Reparou nos olhares de estranheza, quase de piedade, das pessoas com quem se cruzou, mas foi sem esforçou que os ignorou.
Regressou a casa com o lusco-fusco. Não fora um dia de grandes excitações, mas estava bem-disposta. Não sabia o que lhe reservava a noite ou o dia seguinte, tal como não conseguia desfazer o novelo. Nada que a fizesse pensar que havia motivo para alarme. As marcas a que só ela obedecia continuavam lá, à espera de verem a luz no momento certo. E, vendo bem, a inaudita guerra ainda não chegara à Avenida Gago Coutinho.
Palavras Ficcionadas
Uma palavra aleatória. Vários textos. Diversos autores. Todos os meses. Com excepção.
domingo, 17 de junho de 2012
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Excelência Humana
Estavam organizados da esquerda para a direita, por ordem alfabética. O paradigma da sensibilidade, o paradigma da racionalidade, o paradigma disto, o paradigma daquilo. Paradigmas e mais paradigmas, exemplos e mais exemplo do ideal. Fora ela que os organizara. Não tinha sido tarefa fácil. Não porque houvesse muitos candidatos, mas sim porque nunca compreendera os critérios para aceder ao brasão da excelência humana.
Ainda se lembrava quando, há cerca de dois anos, entrevistara o agora paradigma da sensibilidade. Tinha sido uma conversa impossível. Ela falava do vento e ele chorava pelos ramos que balançavam. Ela falava do sol e ele chorava de alegria pelas peles bronzeadas segundos antes de desatar num pranto pelas peles escaldadas. Já para não falar de quando ela afugentara uma mosca com um simples abanar de mão e ele a acusou de ser uma assassina. Uma conversa que contada ninguém acreditaria e por isso fora gravada. Como todos os encontros entre ela e os candidatos. Afinal, no fim, era sempre a máquina quem ditava o vencedor e, naquele dia, ela comovera-se. Enquanto ela se entregava ao entorpecimento, tamanha a desilusão.
Aquilo não era, não podia ser, o paradigma da sensibilidade. Tal como o paradigma da racionalidade, outra conversa impossível, que às tantas já a fazia querer atirar um livro (volumoso) à cabeça do candidato. Viver com aquelas pessoas seria insuportável. Pelo menos se elas fossem assim na vida real, para lá da porta da sala de entrevistas. E talvez fosse isso que lhe fizesse mais confusão.
Aquelas personagens - para ela não eram mais do que isso - nunca era verificadas. A entrevista e a máquina eram soberanas, sem nunca lhe dar espaço para tentar atravessar a carapaça que todos tinham. Em tempos, vira aquela estrutura feita de comportamentos expectáveis como um ataque, mas agora percebia que não era mais do que uma defesa. Quem iria atacar o paradigma da sensibilidade, ficando a saber o que o realmente o atormentava? Quem iria atacar o paradigma da racionalidade, pondo a nu os sentimentos que tão bem escondia? Ninguém. Não tivessem também os paradigmas uma certa aura de santidade.
Voltou a olhar para o brasão da excelência humana que nunca incluiria o seu nome, idade e profissão, antes de fechar à chave a porta blindada. Havia que proteger aquela base de dados inigualável de todos aqueles que quisessem ser simplesmente humanos, sem serem excelentes. Aqueles que também tinham carapaça, claro, mas que não a pavoneavam. O professor de matemática que dificilmente dava um desconto aos seus alunos, mas que se derretia como se fosse um boneco de neve quando a filha o abraçava depois de errar uma conta de subtrair. A psicóloga que absorvia como se não houvesse amanhã os problemas dos seus clientes, mas que, ao lidar com a sua própria depressão, não soube procurar ajuda. O taxista que todos os dias indicava o caminho a autóctones e estrangeiros, mas que, quando precisou de encontrar o gato que fugira de casa, perdeu o norte na cidade que conhecia como a palma da mão.
É, era uma honra ser simplesmente humana, pensou, enquanto picava a cebola.
Ainda se lembrava quando, há cerca de dois anos, entrevistara o agora paradigma da sensibilidade. Tinha sido uma conversa impossível. Ela falava do vento e ele chorava pelos ramos que balançavam. Ela falava do sol e ele chorava de alegria pelas peles bronzeadas segundos antes de desatar num pranto pelas peles escaldadas. Já para não falar de quando ela afugentara uma mosca com um simples abanar de mão e ele a acusou de ser uma assassina. Uma conversa que contada ninguém acreditaria e por isso fora gravada. Como todos os encontros entre ela e os candidatos. Afinal, no fim, era sempre a máquina quem ditava o vencedor e, naquele dia, ela comovera-se. Enquanto ela se entregava ao entorpecimento, tamanha a desilusão.
Aquilo não era, não podia ser, o paradigma da sensibilidade. Tal como o paradigma da racionalidade, outra conversa impossível, que às tantas já a fazia querer atirar um livro (volumoso) à cabeça do candidato. Viver com aquelas pessoas seria insuportável. Pelo menos se elas fossem assim na vida real, para lá da porta da sala de entrevistas. E talvez fosse isso que lhe fizesse mais confusão.
Aquelas personagens - para ela não eram mais do que isso - nunca era verificadas. A entrevista e a máquina eram soberanas, sem nunca lhe dar espaço para tentar atravessar a carapaça que todos tinham. Em tempos, vira aquela estrutura feita de comportamentos expectáveis como um ataque, mas agora percebia que não era mais do que uma defesa. Quem iria atacar o paradigma da sensibilidade, ficando a saber o que o realmente o atormentava? Quem iria atacar o paradigma da racionalidade, pondo a nu os sentimentos que tão bem escondia? Ninguém. Não tivessem também os paradigmas uma certa aura de santidade.
Voltou a olhar para o brasão da excelência humana que nunca incluiria o seu nome, idade e profissão, antes de fechar à chave a porta blindada. Havia que proteger aquela base de dados inigualável de todos aqueles que quisessem ser simplesmente humanos, sem serem excelentes. Aqueles que também tinham carapaça, claro, mas que não a pavoneavam. O professor de matemática que dificilmente dava um desconto aos seus alunos, mas que se derretia como se fosse um boneco de neve quando a filha o abraçava depois de errar uma conta de subtrair. A psicóloga que absorvia como se não houvesse amanhã os problemas dos seus clientes, mas que, ao lidar com a sua própria depressão, não soube procurar ajuda. O taxista que todos os dias indicava o caminho a autóctones e estrangeiros, mas que, quando precisou de encontrar o gato que fugira de casa, perdeu o norte na cidade que conhecia como a palma da mão.
É, era uma honra ser simplesmente humana, pensou, enquanto picava a cebola.
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
Cheira-me a carne podre
Cheira-me a carne podre já há um mês. A chinfrineira na rua não cessa, especialmente de dia. Dá-me a impressão que eles são cada vez mais, que nojo.
Estou a ficar sem comida em casa e a última forma de comunicação que me resta é a internet. Apesar disso os servidores de WOW têm estado em baixo com frequência e já ninguém actualiza os perfis do facebook (começou uma nova moda de que eu não esteja a par?). Só me vale o youtube e a música Disco - Os Jackson 5 é que sabiam divertir-se.
É meio da tarde e não tenho nada para fazer, mas não estou arrependido. A selvajaria que vai lá por fora relembra-me do porquê de ter decidido encarcerar-me em casa. Egoísmo, gente vil, falam demasiado e escutam pouco, para além disso chamaram-lhes iluministas, deve ter sido mais um da espécie com a motivação no sexo e o orgulho na conta bancária. Não, eu cá prefiro o mundo à minha maneira e a ser como alguém, prefiro ser como o pantufa, ingénuo e bucólico.
A vontade de o ter em mim é grande.
"Importas-te papá, mamã?". Abanei a cabeça de um e do outro em sinal afirmativo, como se fossem bonecos.
O meu mundo perfeito.
Estou a ficar sem comida em casa e a última forma de comunicação que me resta é a internet. Apesar disso os servidores de WOW têm estado em baixo com frequência e já ninguém actualiza os perfis do facebook (começou uma nova moda de que eu não esteja a par?). Só me vale o youtube e a música Disco - Os Jackson 5 é que sabiam divertir-se.
É meio da tarde e não tenho nada para fazer, mas não estou arrependido. A selvajaria que vai lá por fora relembra-me do porquê de ter decidido encarcerar-me em casa. Egoísmo, gente vil, falam demasiado e escutam pouco, para além disso chamaram-lhes iluministas, deve ter sido mais um da espécie com a motivação no sexo e o orgulho na conta bancária. Não, eu cá prefiro o mundo à minha maneira e a ser como alguém, prefiro ser como o pantufa, ingénuo e bucólico.
A vontade de o ter em mim é grande.
"Importas-te papá, mamã?". Abanei a cabeça de um e do outro em sinal afirmativo, como se fossem bonecos.
O meu mundo perfeito.
terça-feira, 27 de setembro de 2011
João deitou para o lixo o que sobrara do jantar. Serguei entregou no ferro-velho as peças que restavam do carro que comprara há cerca de ano e meio. Kyle achou que a camisa que comprara na semana anterior já estava ruça e decidiu deixá-la à porta de casa, pronta a ser queimada.
Em Lisboa, José abriu o saco preto que alguém deixara na rua. Já tinha jantar. Em Moscovo, Iuri encontrou um pneu à porta da garagem por abrir. Já tinha uma peça nova para o seu carro de há vinte anos. Em Londres, Bruce aterrou em cima de um monte de seda. Já tinha traje de gala.
A campainha tocou. Primeiro em Moscovo, mais tarde em Londres e Lisboa. Em Russo, Inglês e Português ouviu-se a voz de Lavoisier: "Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se tranforma."
Em Lisboa, José abriu o saco preto que alguém deixara na rua. Já tinha jantar. Em Moscovo, Iuri encontrou um pneu à porta da garagem por abrir. Já tinha uma peça nova para o seu carro de há vinte anos. Em Londres, Bruce aterrou em cima de um monte de seda. Já tinha traje de gala.
A campainha tocou. Primeiro em Moscovo, mais tarde em Londres e Lisboa. Em Russo, Inglês e Português ouviu-se a voz de Lavoisier: "Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se tranforma."
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
contigo
tornaste-me uma pessoa pior
ao dizeres, sem voz nem alma,
que morreria contigo.
tiraste-me as palavras a outros
e os actos de boa fé caíram na inutilidade,
pois de que serviriam,
se morreria contigo?
para que viveria o mundo pelas dores
se seguiria na sombra pelo sempre e pelo fim,
contigo?
a treva que verte pela noite embala-me o sono
e és tu que me cantas olvidos,
sou eu que os perco nos sonos.
e quando todas as noites findarem,
e quando meu tempo chegar,
ter-te-ei comigo, como hoje, sempre,
e morrerei contigo.
só.
domingo, 5 de junho de 2011
Acordou com o coração aos saltos. O despertador na mesinha-de-cabeceira marcava quatro e trinta da manhã. Virou-se para o outro lado. Pôs-se de bruços, de costas. Encolheu-se. Esticou-se e voltou a virar-se. Eram cinco da manhã quando decidiu levantar-se, maldizendo a sua sorte. Deitara-se já passava das duas e já não conseguia dormir. Sentou-se na cama durante mais alguns minutos.
Lavou a cara. Espreguiçou-se. Suspirou. Não sabia o que havia de vestir. Decidiu ir à janela ver como estava o tempo. Foi surpreendida pela claridade do nascer-do-sol. Estava fresco, mas o dia prometia ser quente. Não que tivesse estudado geografia ou meteorologia, mas a intuição assim lhe dizia. Estava prestes a virar costas à rua quando reparou nela.
Os seus passos apressados ecoavam no bairro ainda adormecido. Os saltos altos de que não podia abdicar roçavam secamente na calçada, anunciando a sua presença a quilómetros de distância. Ainda não eram cinco e meia da manhã. Era elegante. O fato executivo que vestia assentava-lhe na perfeição, mas faltava-lhe algo.
Eram cinco e meia da manhã. As olheiras faziam o papel de algodão branco e denunciavam as poucas horas de sono que tivera. Apesar disso, não parecia cansada, embora o seu rosto fosse carregado. Eram cinco e meia da manhã. Notava-se a tensão nos ombros. Foi então que ela se voltou na direcção da janela. Os seus olhos eram lindos. O olhar era tranquilo. Acolhedor. Triste.
Assustou-se quando a viu à janela, a mirá-la com tanta atenção. Eram cinco e meia da manhã. O bairro devia estar dormir. A camioneta vinha longe, muito longe, mas o barulho do motor já substituíra o cantar dos pássaros. Bocejou e fugiu para a paragem, os saltos altos berrando mais do que nunca.
Da janela da sua cozinha, ficou a vê-la partir. Quem seria ela? Para onde iria? Por que partiria tão cedo? Viveria sozinha? Acompanhada? Não sabia. Voltou para dentro. Para a cama. Eram nove e quarenta e cinco quando o despertou tocou. Acordou estremunhada, com o sonho inacabado.
Uma multidão povoava a sua mente. Não sabia os seus nomes nem de onde os conhecia. Não os conhecia, apercebeu-se. Partilhava o bairro, a cidade, com dezenas e dezenas de pessoas, mas nada sabia delas. Não sabia se dormiam bem, se dormiam mal. Se eram felizes ou infelizes. Não sabia nada de nada, a não ser que eram seus vizinhos e que todos os dias os via. Arranjou-se. Saiu de casa. Entrou no autocarro.
Disse bom dia, esperançada. Ninguém respondeu. Sentou-se, olhou pela janela. Enganara-se. Afinal, o dia prometia ser chuvoso.
Lavou a cara. Espreguiçou-se. Suspirou. Não sabia o que havia de vestir. Decidiu ir à janela ver como estava o tempo. Foi surpreendida pela claridade do nascer-do-sol. Estava fresco, mas o dia prometia ser quente. Não que tivesse estudado geografia ou meteorologia, mas a intuição assim lhe dizia. Estava prestes a virar costas à rua quando reparou nela.
Os seus passos apressados ecoavam no bairro ainda adormecido. Os saltos altos de que não podia abdicar roçavam secamente na calçada, anunciando a sua presença a quilómetros de distância. Ainda não eram cinco e meia da manhã. Era elegante. O fato executivo que vestia assentava-lhe na perfeição, mas faltava-lhe algo.
Eram cinco e meia da manhã. As olheiras faziam o papel de algodão branco e denunciavam as poucas horas de sono que tivera. Apesar disso, não parecia cansada, embora o seu rosto fosse carregado. Eram cinco e meia da manhã. Notava-se a tensão nos ombros. Foi então que ela se voltou na direcção da janela. Os seus olhos eram lindos. O olhar era tranquilo. Acolhedor. Triste.
Assustou-se quando a viu à janela, a mirá-la com tanta atenção. Eram cinco e meia da manhã. O bairro devia estar dormir. A camioneta vinha longe, muito longe, mas o barulho do motor já substituíra o cantar dos pássaros. Bocejou e fugiu para a paragem, os saltos altos berrando mais do que nunca.
Da janela da sua cozinha, ficou a vê-la partir. Quem seria ela? Para onde iria? Por que partiria tão cedo? Viveria sozinha? Acompanhada? Não sabia. Voltou para dentro. Para a cama. Eram nove e quarenta e cinco quando o despertou tocou. Acordou estremunhada, com o sonho inacabado.
Uma multidão povoava a sua mente. Não sabia os seus nomes nem de onde os conhecia. Não os conhecia, apercebeu-se. Partilhava o bairro, a cidade, com dezenas e dezenas de pessoas, mas nada sabia delas. Não sabia se dormiam bem, se dormiam mal. Se eram felizes ou infelizes. Não sabia nada de nada, a não ser que eram seus vizinhos e que todos os dias os via. Arranjou-se. Saiu de casa. Entrou no autocarro.
Disse bom dia, esperançada. Ninguém respondeu. Sentou-se, olhou pela janela. Enganara-se. Afinal, o dia prometia ser chuvoso.
sábado, 16 de abril de 2011
Pelasgo, eu?
Konstantin estava a brincar com um amigo quando encontrou a placa. Era pequena, muito pequena. Tinha a cor do barro, mas a criança sabia que não era esse o material. Não que soubesse qual era, mas tinha a certeza de que o pedaço decorado com inscrições rústicas não era de barro.
- Konstantin, que estás a fazer? - perguntou-lhe o seu amigo Georgios, - Que é isso que tens na mão?
- Não sei. Estava aqui no meio da terra, dei-lhe um pontapé sem querer. Tem umas coisas escritas, mas não sei em que língua.
- Deixa-me ver.
Konstantin entregou o objecto a Georgios, que olhou para ele atentamente. Os seus olhos irradiavam curiosidade, mas pairava neles, com cada vez mais força, algo de obscuro.
- Eu sei o que é isto! O meu avô tem várias placas parecidas com estas lá em casa. Diz que são do trisavô dele, que morreu há muito tempo. Mas ele não gosta muito de falar nisso...
- Porquê?
- Não sei muito bem. Acho que tem vergonha: uma vez, a minha avó acusou-o de vir de uma família de bárbaros. Parece que eram pelasgos e sabes como eles eram terríveis. Se não fôssemos nós, os Gregos, o Peloponeso ainda estava parado no tempo.
- Tens razão... Mas espera aí! Se ele descende de pelasgos e tu descendes dele, então também és um pelasgo. Mas tu não és mau... Eu gosto muito de brincar contigo... Não podes ser impuro!
Ficaram em silêncio durante largos minutos. Georgios estava confuso. Sabia que nenhum pelasgo prestava, e não achava que fosse uma criança má, mas sabia que Konstantin tinha razão. Se o seu trisavô fora um pelasgo, então ele também era.
- Konstantin, já não és meu amigo? Não vais brincar mais comigo? - perguntou, com os olhos marejados.
Não teve uma resposta imediata. O amigo também estava confuso. Afinal, ele era filho de um príncipe, não podia dar-se com um mero pelasgo. Mas gostava tanto de brincar com Georgios... Desde pequenos que todas as tardes brincavam juntos. Na escola eram inseparáveis. Ele era tão boa pessoa. Importaria assim tanto que ele fosse um pelasgo? Sabia que os pais nunca aceitariam que fossem amigos se soubessem a origem de Georgios. A resposta saiu-lhe de supetão:
- Claro que vou! Sou teu amigo! Este vai ser o nosso pequeno segredo. Ninguém tem de saber que descendes de pelasgos, ora essa. Somos os dois gregos e pronto! E somos amigos!
Georgios sorriu, irradiando alegria. Nunca duvidara do poder de uma amizade sincera.
- Konstantin, que estás a fazer? - perguntou-lhe o seu amigo Georgios, - Que é isso que tens na mão?
- Não sei. Estava aqui no meio da terra, dei-lhe um pontapé sem querer. Tem umas coisas escritas, mas não sei em que língua.
- Deixa-me ver.
Konstantin entregou o objecto a Georgios, que olhou para ele atentamente. Os seus olhos irradiavam curiosidade, mas pairava neles, com cada vez mais força, algo de obscuro.
- Eu sei o que é isto! O meu avô tem várias placas parecidas com estas lá em casa. Diz que são do trisavô dele, que morreu há muito tempo. Mas ele não gosta muito de falar nisso...
- Porquê?
- Não sei muito bem. Acho que tem vergonha: uma vez, a minha avó acusou-o de vir de uma família de bárbaros. Parece que eram pelasgos e sabes como eles eram terríveis. Se não fôssemos nós, os Gregos, o Peloponeso ainda estava parado no tempo.
- Tens razão... Mas espera aí! Se ele descende de pelasgos e tu descendes dele, então também és um pelasgo. Mas tu não és mau... Eu gosto muito de brincar contigo... Não podes ser impuro!
Ficaram em silêncio durante largos minutos. Georgios estava confuso. Sabia que nenhum pelasgo prestava, e não achava que fosse uma criança má, mas sabia que Konstantin tinha razão. Se o seu trisavô fora um pelasgo, então ele também era.
- Konstantin, já não és meu amigo? Não vais brincar mais comigo? - perguntou, com os olhos marejados.
Não teve uma resposta imediata. O amigo também estava confuso. Afinal, ele era filho de um príncipe, não podia dar-se com um mero pelasgo. Mas gostava tanto de brincar com Georgios... Desde pequenos que todas as tardes brincavam juntos. Na escola eram inseparáveis. Ele era tão boa pessoa. Importaria assim tanto que ele fosse um pelasgo? Sabia que os pais nunca aceitariam que fossem amigos se soubessem a origem de Georgios. A resposta saiu-lhe de supetão:
- Claro que vou! Sou teu amigo! Este vai ser o nosso pequeno segredo. Ninguém tem de saber que descendes de pelasgos, ora essa. Somos os dois gregos e pronto! E somos amigos!
Georgios sorriu, irradiando alegria. Nunca duvidara do poder de uma amizade sincera.
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