quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Quadra Festiva

Os flocos de neve caíam no exterior mas já era demasiado tarde para as crianças irem brincar para o jardim. A ocupação principal naquela casa enfeitada de luzes e cores natalícias era agora a preparação da ceia. A dona da casa, a avó Clotilde e a nora organizavam a cozinha com a perícia do hábito e tudo estava quase pronto, até o bolo rei caseiro que era a especialidade da avó. Na sala, Vasco punha a mesa com a ajuda da filha mais velha, deviam acabar antes dos primos chegarem, mas o senhor estava distraído com o especial de Natal que dava na televisão. Do andar de cima vinham os sons dos dois pequenos a brincar com o tio Samuel, ou a partir a mobília como a avó Clotilde gostava de dizer.
Como em Natais anteriores, tudo ficou pronto a horas e quando os primos chegaram, cumprimentaram-se todos com sorrisos e abraços cheios do espírito da época. A algazarra das crianças multiplicou-se e deu-se a habitual caça às crianças para as conseguir sentar todos na mesa dos pequeninos com moderado silêncio e a comer.
À mesa da avó Clotilde, com se costumava chamar a mesa que os adultos ocupavam, a conversa caiu como acontecia sempre, na economia, nos negócios de família que quase todos partilhavam. Isto até à avó Clotilde proibir a conversa de trabalho. Começava então um outro tipo de conversa.
- Então, já tiraste a carta? - perguntou Lídia, a mulher de Vasco, ao filho mais velho dos primos de Santarém, um rapaz silencioso que aprimorava a arte de parecer miserável.
- Nah... - respondeu ele.
- Nem todos têm um lugar reservado na melhor escola de condução, não é verdade? - comentou o pai do rapaz, com um sorriso a Lídia.
- Nós deixamos o Ti tomar as suas decisões - disse a mãe do rapaz de maneira assertiva, olhando ligeiramente para Sara - temos confiança que ele sabe o que é melhor para ele.
- Sim, como vai essa mudança de área? - perguntou Vasco ao rapaz - deves gostar mesmo de artes para ter decidido repetir o décimo segundo. Não vais ter de ficar ainda mais um ano?
- Comam mais bacalhau - ordenou Clotilde, subitamente cortando a conversa. Todos obedeceram, ocupando-se a passar o bacalhau e os acompanhamentos. Na mesa das crianças parecia haver um concurso de sons de animais.
- Samuel, como vai esse projecto? - quis saber o primo de Santarém.
- Ah. Foi aprovado. Mas temos de procurar patrocínio - respondeu o jovem.
- Parabéns, então - disse ele - esperemos que não demore outro meio ano, não é?
- Podes sempre voltar ao negócio de baby-sitting, se o projecto não funcionar - comentou Vasco, juntando-se à conversa.
- É, se calhar. Se calhar começo já a praticar outra vez - acrescentou - posso tentar impedir que os vossos filhos ofereçam o jantar ao tapete. Será que consigo? - levantou-se da mesa e juntou-se aos pequenos, sorrindo-lhes e pegando no garfo de um deles que quase escorregava para o chão.
- Não se esqueçam que há sobremesa - lembrou a avó Clotilde.
No fim do jantar, as crianças foram deitadas e a família reunida separou-se aos dois e três, em conversas diversas. Da sua cadeira de baloiço, a avó Clotilde observava a sua descendência.
- Sara, minha filha - disse a velhota à rapariga que lia, sentada no tapete - espero que saias à avó.

(Desculpem o texto enorme >.<)