terça-feira, 8 de março de 2011

Estorvo de Família

Mário estava farto. Sentia-se um estorvo na vida de toda a gente. Os pais, esses, há muito que o haviam abandonado. Quando eles se foram embora, os tios ainda o aceitaram durante uns tempos, mas não durou muito até que fosse parar a casa dos avós. Há dois meses o avô morrera e agora vivia só com a avó.

Não é que não gostasse dela. Afinal, ela fora o mais próximo de uma mãe que tivera, mesmo com a sua má-vontade. Mas os 80 anos estavam próximos e Mário apercebia-se de que já lhe custava tratar da roupa e do almoço. A morte do avô só piorara a situação. Se antes as gargalhadas do velho ainda a animavam, agora não havia qualquer vislumbre de um mero sorriso na sua face. E Mário achava que a culpa era sua.

Pouco contacto tivera com os avós antes de ter ido morar com eles, há cerca de dois anos. Na altura, tinha acabado de entrar para a escola e eles não tinham muita paciência para o acompanhar nos estudos. Com o tempo, habituara-se, mas agora, aos oito anos, estava por sua conta. A avó terminara a segunda classe com dificuldade e ele já estava no terceiro ano. Nunca sabia a quem pedir ajuda e, naquele dia, ela nem sequer lhe respondia quando chamava por ela.

Não queria chateá-la, mas estava mesmo com muita dificuldade em compreender aquele problema. Acabou por pegar no livro e ir à procura da avó. Encontrou-a no jardim em que passava grande parte do seu tempo, a conversar com uma mulher muito mais nova. A cara era-lhe vagamente familiar, mas não conseguia perceber de onde a conhecia. Já tinha decidido voltar para dentro quando ouviu o seu nome a sair da boca da avó. Não resistiu e ficou à escuta.

- Não, não o levas daqui! Julgas o quê, que uma criança é um brinquedo que se larga durante uns anos até apetecer voltar a pegar nele? O Mário é meu neto e não vou deixar que o leves. Posso estar velha, mas ainda estou muito capaz de tomar conta do meu próprio neto! Ora essa, não hei-de cometer os mesmos erros que cometi contigo.

- Mas...

- E nem te atrevas a insinuar que ele é um estorvo! Eu sei que não sou a melhor pessoa do mundo a mostrar as minhas emoções, mas adoro o meu neto e faria tudo por ele! Tudo, ouviste?

Mário não ouviu o resto da conversa. Pela primeira vez na vida, soube o que significava a palavra felicidade.

1 comentário:

Patrícia disse...

Adorei. Gostei mesmo. A sério :O