quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Esticou as pernas, olhando pela janela. Falava como se estivesse só. "O mundo é este quarto, sabias?"
O sol começava a descer, deixando os telhados das casas e das árvores cobertos por uma folha de ouro.

"Isso não faz sentido..." murmurei, olhando também lá para fora. Havia tanto. Do frio que parecia crescer do quarto para as árvores despidas às lâmpadas apagadas que lembravam aquários opacos e mortos.

Ignorou-me, continuando. Podia estar a falar aos livros na estante apinhada ou às cortinas quedas. "Quando sais, o mundo segue-te. Quando saíres, o mundo continua a ser o quarto. Para mim. Para ti vão ser aqueles gatos no muro, ou o musgo no lancil. Vão ser as ruas por que passas e que depois deixas para trás."

"E tu?" perguntei, baixo, fitando a sua figura esguia recostada na cama e lançando sombras na penumbra. "Se eu sair, e se o mundo sair comigo, não deixas de fazer parte dele, ficando aqui?"

O seu sorriso era quase condescendente, ainda que não me olhasse. "Ah. Há algum problema nisso? Não é como sempre? Suponho que serei parcialmente real para ti enquanto pensares em mim, quando vires as minhas mensagens ou vires a minha voz ao telefone. Faz diferença? De resto, deixo de existir, tal como tu para mim."

"Mas..." Eu queria argumentar, mas a sua lógica era-me confusa e o meu olhar perdeu-se no dourado perdido e sombrio que agora pintava o exterior que, naquele momento, não era mundo.

Se fechasse os olhos... A escuridão do quarto não se equiparava à fusão de cores reformuladas atrás das minhas pálpebras. A sua voz estava lá também, melíflua. "Assim o mundo escoa-se. Parece tão mais pequeno e maior, não é? Não há barreiras de janelas, portas, paredes, chegas a todo o lado. Os indicadores do que está aqui, que não está quando fechas os olhos, desaparecem tão facilmente como magia. Talvez ela exista, afinal." O sorriso na sua voz era tão claro como se o visse, com aquele torcer leve do canto da boca.

Olhei novamente pela janela. Os aquários estavam acesos, aqueles que não estavam definitivamente mudos. Levantei-me; estava na hora de ir. Trocámos uma despedida breve e quase invisível, e saí com o mundo atrás. Na memória ficaram as palavras, indicador da sua presença que se manteve real até casa.