quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O toque de midas (que título pretensioso)

Acordei às cinco e meia da manhã para ir correr. O frio dificultava-me a respiração: inspirar pela boca, expirar pelo nariz, inspirar pela boca, expirar pelo nariz, tal como o meu pai me tinha ensinado.

Fiquei cansado depressa e tive que parar. Aproveitei para esticar os braços, rodar a anca e coçar o rabo. Àquela hora dificilmente alguém estaria acordado para reparar em mim. Sentia-me um passarinho livre e de pingo no nariz.

Retornei a um ritmo incerto. Inspirar pela boca, expirar pelo nariz, inspirar pela boca, expirar pelo nariz. Parei uns trezentos metros mais à frente para atar melhor os ténis de corrida velhinhos do meu pai. É que os ténis precisavam MESMO de ser atados. Demorei o meu tempo, não fosse o diabo tecê-las. E depois voltei a rodar a anca. Tinham-se passado vinte minutos desde que saí de casa e eu tinha combinado comigo mesmo uma hora de corrida. E de volta à acção, prossegui devagarinho em passo de corrida. "Desta vez tenho de me aguentar mais tempo", e acenei que "sim" com a cabeça, ao jeito dos mais determinados e confiantes.

Desta vez comecei antes a contar os meus passos, talvez fosse uma melhor estratégia: um passo, dois passos, três passos. Aos 70 vi um rabo de cavalo a baloiçar ao sabor de passadas carismáticas e perfeitamente sincronizadas. Fiquei curioso, afinal qual é a probabilidade de só nós os dois, no total da toda a população do mundo, quebrarmos horas sagradas de sono para ir correr? Pensei que se fosse ignorado pelo menos ninguém o poderia testemunhar por isso aproximei-me dela e toquei-lhe com o indicador nas costas.

"Bom dia", disse-lhe eu tentando acelerar para o seu ritmo de corrida.
Ela ignorou-me
"Ahm ... eu ... moro ... aqui ao pé ... para os lados ... da igreja", atirei-lhe já a arfar.
"Okay", respondeu-me ela
"Sou o Dani ... prazer"

É incrível o que um gajo consegue fazer por uma rapariga bonita. Sentia o sangue em ebulição na minha cabeça, e o coração batia como louco, mas não desisti.

"Como te chamas?", "Que idade tens?", "Já corres há muito tempo?".

A minha saliva ficou espessa da falta de hidratação. As pernas fraquejaram e eu caí no chão que nem um calhau pesado.

Quando voltei a acordar estava a miúda do rabo de cavalo a tocar-me com o indicador, para testar os meu sinais vitais, talvez.

"Estás bem?"
"Sim ...", olhei para o relógio, já passava quase uma hora desde que saí de casa para a corrida. Tinha de regressar, tomar banho e ir trabalhar.
"Tenho de ir. Gostei de correr contigo". As palavras saíram-me sem significado nenhum, e ela não ficou minimamente sensibilizada como seria de esperar.
"Xau", disse-me, e cada um fez o seu caminho.

Saí do banho recuperado e fresco. Reforcei o meu pequeno almoço e fui para o terminal dos barcos.

Na fila para embarcar descobri-lhe o rabo de cavalo que sobressaia por cima das suas roupas de jovem adolescente, com uns ténis da Nike, casaco preto com capaz e uma camisola de malha com motivos florais.

Sorri-lhe, desta vez com um sorriso aberto e sentido. Ela retribuiu. Fiz a viagem toda a seu lado, sentados nos bancos. Agora com luz da manhã e com outra disposição descobri que ela tem sardas. Que miúda adorável.