domingo, 5 de setembro de 2010

A Família Dentuça

Os pais puseram-lhe o nome de Felizmina Dentuça, em homenagem ao irmão que morrera três meses antes. Queriam que ela fosse tão feliz quanto ele fora, que estivesse sempre tão feliz como ele estava quando morrera na praia. Desejavam, sobretudo, que o nome Felizmina lhe desse a sorte de, tal como o irmão, levar as pessoas a perguntar-se qual o porquê de lhe chamarem Dentuça.

Feliz Dentuça fora um rapaz feliz com dentes pequenos. Desde criança que a sua pequena dentuça alegrara todos à sua volta. O sorriso, mais do que o riso, era frequente e tinha o condão de aquecer qualquer coração mais triste. Era particularmente eficaz quando estava junto do pai. O pai, Infeliz Dentuça, raramente mostrava a dentuça que herdara da família. Era um verdadeiro Dentuça. Infeliz como só eles sabiam ser. Com dentes grandes como só eles sabiam ter. Nada que denunciasse o frágil coração de oiro que batia no seu tosco peito.

Naquele dia, Sortuda Dentuça ficou debaixo do chapéu-do-sol, enquanto os homens Dentuça passeavam à beira-mar. Normalmente, acontecia o oposto. Eles ficavam por ali e ela ia passear. Seis meses de gravidez tinham sido suficientes para alterar a rotina. A Dentucinha que iria nascer já pesava demasiado para passear à beira-mar. Esperava que esse peso não fosse sinal de que os seus dentes seriam como os do seu querido Infeliz.

Conheceram-se quando, ainda na escola primária, ela o defendeu dos colegas que o humilhavam devido aos seus dentes salientes. Não fora capaz de ficar a olhar, como se não fosse nada com ela. Com o tempo, tornaram-se amigos inseparáveis. Com a idade, a amizade deu lugar ao amor. Agora, formavam uma família feliz e brevemente teriam o casalinho que desejavam desde que o pequeno nascera, há já 17 anos. Ainda que implorassem por dentes pequenos, estavam sempre a postos para defender o Dentuça sénior até às últimas consequências. Só assim eram verdadeiramente felizes.

Nesse momento, apercebeu-se da agitação na praia. Viu o nadador-salvador a correr em direcção ao mar, as sirenes a perturbarem a aparente tranquilidade da praia. Sentiu um aperto no coração e um grande pontapé da sua Dentucinha. Soube instantaneamente que o casalinho já nã0 existiria. O seu Feliz, o maravilhoso Feliz, acabara de morrer. Nunca poderia deixar que o seu fantástico pai fosse humilhado por aqueles parvos, infelizmente armados. Naquele dia, o coração de oiro revestiu-se de pedra.

Felizmina Dentuça sorriu pela primeira vez. A água começou a amolecer o coração de pedra, que nunca viria a ser mais do que feito de prata dourada. Não tinham o casalinho, era certo, mas Felizmina Dentuça era uma dádiva que não podiam desperdiçar. Tal como o seu saudoso irmão, já era capaz de aquecer corações.

2 comentários:

Di disse...

ohhhhh <3

gotei!!!

Anónimo disse...

Tão fofo ^^.

E é uma maneira muito simples de enquadrar a palavra. Aliás. De focar a palavra :P