domingo, 12 de setembro de 2010

Prenda de aniversário

Situações do género passam a vida a acontecer, imagino eu, mas o facto é que, desde o início, nunca gostei por aí além dos meus dentes.
Desde pequeno que me lembro de olhar para o espelho e ver duas protuberâncias demasiado afiadas no lugar dos caninos. No que respeita aos dentes em geral eles encontravam-se desalinhados, uns encavalitados, outros deixavam antever um franco progresso na sua descalcificação. Depois havia sempre aqueles dois irmãos da frente, demasiado prepotentes para a importância real que tinham. Era graças a eles que ganhei, a certa altura da minha vida, a alcunha de dentuça.
 No primeiro dia de Outubro, altura em que completei os 28 anos, olhei-me ao espelho da casa-de-banho para fazer um balanço geral da minha vida, tal como é meu apanágio em todos os aniversários.
Portanto, encontrava-me a viver num cubículo com espaço para uma cama, um frigorífico e a televisão; a trabalhar seis dias por semana, das nove às dezanove; recebia o suficiente para comer e para pagar as contas da casa, mas ainda não o bastante para iniciar um tratamento de ortodôncia; vestia-me mal e o insucesso com as mulheres persistia.
Não se pode dizer que tivesse uma má vida, mas o que me deixava seriamente deprimido eram aqueles dentes. Decidi então dar um presente a mim próprio naquele dia especial e apelar à minha criatividade.
Depois da minha reflexão saltei o passo de lavar os dentes e segui logo para o pequeno-almoço. Uma taça de cereais com muito leite, assim ficava também já almoçado. Faltei ao trabalho para me mimar um pouco no sofá a ver documentários sobre animais selvagens.
Quando o sol deixou uma mancha vermelha sobre toda a cidade fui ao frigorífico e tomei um vinho qualquer carrascão. Saí então de casa e deambulei um pouco ao som de John Coltrane, na perspectiva de ser guiado pelos carismáticos apontamentos do mestre do jazz.
Acabei por entrar no Phil's, um bar bastante popular onde se podia beber dos melhores cocktails ou ouvir uns concertos de rock.
- Queria um conhaque bem aviado, se faz favor - Pedi ao barman.
Bebi aquilo de um gole, atirei para a bancada os 3 euros, e fui para o pé de um casal que namoriscava na penumbra resguardada de um canto do estabelecimento.
- Vejam bem. Não têm casa onde fazer estas poucas vergonhas, por isso vêm para bares tocar-se e provocar os clientes! - disparei eu para o casal que ficou subitamente surpreendido.
- Sim estou a falar com vocês! desenvergonhados, obscenos! - E levantei a mão à pobre jovem, perpelexa com a minha fúria.
O namorado não esteve para meias medidas e deu-me um murro que foi direitinho ao meu estômago, deixando-me com falta de ar.
- É o melhor que sabes fazer seu merdas?
Seguiu-se um murro na cara e alguns pontapés quando já estava no chão.
Expulso do bar, fui com dificuldade para casa. Cuspi algum do sangue que se misturava com saliva para o lavatório, lavei a cara e sorri para o espelho.
Fiquei feliz com a transformação.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito fixe, Pho! Gostei.