quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Passagem

Não estava quente nem fresco, mas sentia-se um leve peso de humidade no ar, como se a própria noite nos tocasse a pele. Punha-nos ainda mais cientes de que estávamos ali sozinhos.
O pântano não devia estar muito longe, para a nossa esquerda, mas o caminho de terra batida seguia para a direita, ladeado de ervas altas. Era iluminado somente pelo brilho azul da luz e das estrelas e pelo braço distante da Via Láctea que se distinguia do azul profundo do céu como um fio de diamantes.
A primeira parte do caminho era ao escuro, iluminado apenas pela natureza. Em silêncio avançamos por entre as canas e as plantas, reparando como até os insectos estavam estranhamente tranquilos. Não soava um zumbido ou um piar que fosse, apenas o som dos nossos passos cuidadosos mas ansiosos perturbando a noite.
O caminho levou-nos até uma pequena clareira onde já nos esperavam. Os pequenos fogos-fátuos que pairavam à altura das nossas cabeças, pulsando silenciosamente com chamas frias. Eram em mesmo número que nós, luzindo em cores ligeiramente diferentes, as suas formas também variando. De alguma maneira, cada um de nós sabia a qual se dirigir e, como se tudo estivesse previamente combinado, formamos um círculo na clareira, cada um de frente para o seu guia.
E subitamente estávamos a correr. Todos em direcções diferentes, cada um a perseguir a sua pequena chama. Dei por mim a correr monte acima, cada vez mais afastada do baixio dos pântanos. Conseguia ouvir a corrida ofegante de um dos outros, algures à minha direita. Seriamos levados para o mesmo local?
Lá ao fundo começava a formar-se uma silhueta sobre o monte que eu subia. Ao início, com os breves vislumbres que lhe conseguia dispensar pensei que fossem rochas sobre o monte. Mas depois as formas pareceram-me demasiado regulares. Eram as ruínas.
Quando comecei a perseguir a pequena chama azulada pelo meio das paredes de blocos escuros e meio desfeitos deixei de ouvir a presença de qualquer outra pessoa. A lua e as estrelas apagaram-se e o céu enegreceu. Só existia eu e o fogo e as paredes à minha volta, e tudo era frio. Primeiro desci, perdendo-me no labirinto de antigos caminhos, sem saber já se estava no interior de algum edifício ou se o céu estava tão escuro como breu.Depois subi. Tanto, tanto que perdi toda a noção de espaço que ainda pensava reter. Não conhecia aqueles corredores e escadarias meio desfeitos por onde passei, correndo e escorregando no musgo e na pedra gasta. O fogo-fátuo fugiu para umas escadas de caracol e eu seguí-lo, perseguindo-o escadas acima, sempre à volta à volta, de tal modo que me agarrava às paredes para não cair.
E então, por fim, encontrei ar fresco. O céu tinha aparecido novamente por cima de mim, tão brilhante e azul como no início da noite. A sensação de tontura persistiu, enquanto olhava em volta no pequeno patamar que era o topo de uma enorme torre. Via a terra toda, o pântano, os montes e, ao longe, o rio.
O meu guia tinha finalmente parado, pairando em frente da minha cabeça, no seu silêncio frio. Quando o fitei pareceu brilhar com mais intensidade e veio na minha direcção. Desviei-me mas perseguiu-me e entrou-me no peito, fazendo-me arfar de frio e calor. Perdi os sentidos.

Quando acordámos estávamos todos juntos. No topo das ruínas onde não muito tempo antes tínhamos ido brincar, em crianças. Não nos pareciam agora tão altas ou tão negras como na noite que passara.
Uma luminosidade matinal começava a dourar o horizonte e as pequenas chamas tinham-se desvanecido. Ficamos sentados a olhar o sol nascente, a noite anterior a tomar nas nossas mentes a forma de um sonho.

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