sábado, 18 de dezembro de 2010

Sono Fátuo

Acordou com a televisão aos berros. Adormecera no sofá há já mais... procurou o relógio... de três horas. Doíam-lhe as costas. As pestanas pesavam. Mas o sono já se fora. A televisão continuava aos berros. Ele falava, falava e falava. O tom era inflamado mas cordial, o olhar era triste mas vivo, as mãos tremiam mas transmitiam firmeza. Falava, falava, falava, não se calava. Falava de si, do que fizera. Auto-elogiava-se. Dizia-se responsável por tudo de bom que acontecera.

Acordou com a luz da aurora a entrar pela janela. Adormecera no sofá há já mais... procurou o relógio... de duas horas. Estava cansado. Mas era hora de ir trabalhar. A televisão continuava ligada. Desligou-a. Tomou banho, comeu qualquer coisa e saiu. Tinha de ir trabalhar. Verificou se tinha a chave do carro e saiu.

Acordou com a buzina do outro carro, mesmo a tempo de se desviar. Invadira a via contrária e nem dera conta. Estacionou o carro, mesmo à porta da empresa. Cumprimentou o segurança, subiu no elevador, sentou-se a secretária e começou a trabalhar.

Acordou com o chefe aos berros. Está despedido! É a terceira vez esta semana que o encontro a dormir no horário de expediente! Faça o favor de se dirigir aos recursos humanos, tratarão da sua situação. O seu comportamento é inadmissível!

Sentiu uma dor no peito. Não voltou a acordar. O senhor presumido continuou a falar. Um néscio funcionário ocupou o seu lugar na empresa. A sua vida sucumbiu à efemeridade. Para sempre.

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