domingo, 22 de agosto de 2010

Hey me

Sentada na ponta da cama, virada para a cómoda, olhava-se no espelho enquanto comia. Os pequenos pedaços de chocolate desfaziam-se na boca, um após o outro, à velocidade do pensamento.
O espelho reflectia a mesma imagem de todos os dias, com o passar dos anos habituara-se a ver aquela pessoa “obesa”, como gostavam de lhe chamar, e a identificá-la como sendo a mesma da fotografia da moldura em cima da cómoda. Era a única fotografia sua que havia em casa: tinha 10 anos quando a tirou e nessa altura era normal. Normal. Ria-se.
Sabia que não devia comer chocolates, que não devia ter almoçado croquetes com batata frita, que aquele litro de coca-cola não devia sequer ter entrado em casa. Sabia isso tudo porque todos faziam questão de lho dizer várias vezes ao dia. O que ninguém lhe dizia era como podia ela fazê-lo. Ou deixar de o fazer, melhor dizendo. Dizendo? Pensando. Na verdade, há muito que não partilhava os seus pensamentos. Ninguém parecia querer saber. As amigas da escola tinham deixado de aparecer, a família parecia conhecer apenas duas frases: “tens de fechar a boca”, “vais ficar para tia” como se isso importasse. O chocolate era o seu único conforto. O chocolate era o seu único conforto. O chocolate era o seu único conforto. Sim, tinha de o repetir.
Mas, afinal, se o chocolate lhe sabia sempre tão bem, para quê parar? O mundo, fora do quarto, fingia não a ver (como se fosse possível, pensava sorrindo)… Se ao menos alguém quisesse realmente saber…
Último pedaço de chocolate. Será que há mais?

3 comentários:

Inês disse...

Gostei^^. Também foi surpreendente. Uma boa forma de fugir da tal conotação política.

Kath disse...

Gostei, Ninimó.
É triste mas mesmo bonito. E triste. Já disse que era bonito?

Anónimo disse...

É muito bom, tanto o sentimento como a escrita. Gostei mesmo.