quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Reinserção

Ele não queria sair. Não estava pronto. Assim que voltasse para casa ia vê-los, e os pais não iam conseguir impedir de sair com eles. Ia ser uma cerveja primeiro, depois um cigarro, depois um shot e por aí em diante até que subitamente ele estaria a evitar voltar para a clínica e não a evitar sair de lá.
Bateram à porta do quarto e J. demorou o mais que se atrevia a ir abrir. Estava na hora, vinham-no buscar. Pegou nas suas coisas uma a uma, enquanto respondia  monosilabicamente à assistente social. Depois, seguiu-a a arrastar os pés até aos degraus da entrada a clínica. Sentou-se no degrau de cima. Os seus pais chegariam a qualquer momento, dizia-lhe a assistente.
Apoiou o queixo nas mãos, olhando a estrada. Não sabia se estava à espera que o carro chegasse ou a desejar que nunca aparecesse. Folhas laranja e vermelhas caiam das árvores, espalhando-se pelo pátio e pelo alcatrão da estrada, mas ele não reparou sequer. Quando chegara à clínica tinha sido Outono, também, e agora parecia-lhe impossível que tivesse passado um ano.
O carro branco chegou, com os seus pais lá dentro. Levantou-se. Quando se cumprimentaram, foi com uma sensação de estranheza. Ajudaram-no a arrumar as malas e J. respondeu às perguntas de cortesia nervosas como se estivesse a dizer falas de uma peça.
Não queria voltar. Ia tudo correr mal. Ele ia ter de ir para a clínica outra vez. Durante a longa viagem de carro, nem viu o cenário que lhe corria à frente dos olhos fixados na janela. Aqueles pensamentos ecoavam-lhe na mente, fazendo-o aperceber-se de que não queria voltar para a clínica. Mas ir para casa não lhe parecia uma boa alternativa.
Quando o carro finalmente parou já era de noite e J. percebeu que não estavam à frente da casa dos pais. Demorou algum tempo a localizar-se, mas depois viu os avós a acenar, sorridentes, dos degraus da casa e compreendeu.
"O que achas de ficar cá um tempo, filho?" perguntou-lhe o pai, antes de sair do carro. J. sorriu finalmente. Estava a voltar. Mas ao mesmo tempo não estava. Pensou que talvez fosse gostar.

2 comentários:

André Pereira disse...

Um final feliz, também gostei desta :)
Falta o Mamede!

Kath disse...

Finais felizes são bons. ^^
Gostei, Nonó!