sábado, 14 de agosto de 2010

Impossível

As pequenas manchas caiam lenta e silenciosamente, inundando o céu perante o olhar dos transeuntes. Todos usavam máscaras com um purificador de ar e os olhos protegidos por óculos largos e estanques. Em poucos momentos tinham voltado aos seus afazeres, ignorando a cinza que começava a dominar os passeios e as paredes das casas.
Apenas um par de olhos continuava a fitar o céu cinzento, os de um homem grisalho que tinha estado a arrumar os produtos da sua banca.
"Dizem que em tempos chovia água..." murmurou, mais para si do que para os poucos clientes que o rodeavam. Um rapaz que observava um relógio de corda antigo riu-se.
"Água? Mas isso é impossível" disse, do alto dos seus oito anos. "Toda a gente sabe que água vem das minas... só pessoas corajosas como a minha mãe é que a encontram."
"Com certeza, com certeza..." replicou o homem, acenando ao rapaz através da máscara. Voltou a olhar para o céu. Dizia-se que em tempos o céu tinha sido azul e que havia água sobre a terra, simplesmente ali, parada, para qualquer pessoa usar. Abanou a cabeça e concentrou-se no que estava a fazer, sacudindo as pequenas partículas cinzentas de cima das suas antiguidades. Era impossível, de facto. Mas também tinham dito que era impossível haver as construções tão grandes como montanhas de que falavam as lendas. E não tinha ele encontrado essas construções nas suas viagens, quando era jovem? Não tinha ele tirado de lá as suas antiguidades? Acreditara que ia achar o "mar"... mas tinha aprendido que nem todas as lendas era verdadeiras. Ao longo dos anos esse sonho desvanecera-se como as cinzas que ele agora limpava de um aparelho que não sabia para que servia.
Já tinha trinta anos, o cabelo da cor da chuva e a pele imitava as rugas da terra. Devia ter juízo, mas não conseguia deixar de fitar o céu, em busca de uma impossível mancha azul. Olhou novamente para os seus clientes e viu o pai do rapaz a limpar-lhe os óculos, tirando-lhe a mascarra  cinzenta da frente da visão. Sorriu e suspirou.

2 comentários:

Alpista descendente disse...

Escrita claramente inspirada pelas suas leituras maravilhosas da ficção cientifica.
Adorei!

Inês disse...

Lembrou-me os incêndios na Rússia e a nuvem sobre Moscovo, mas é claramente um texto de ficção científica. Não é o meu género de eleição, mas gostei ;)